quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ramon Llull e sua obssessão missionária - parte 2.

  
"... a maior amizade que deveria existir neste mundo deveria ser entre clérigo e cavaleiro"
 Ramon Lull.1       


          Tomado pelo clima religioso reinante na época, Ramon Llull  declarou-se imaginativo e iluminado, elaborando e propagando um método apologético que deveria difundir à conversão dos infiéis. Sua obra mais famosa, Ars Generalis sive Magnis (1308), descreve como estabelecer a verdade essencial:  sua arte deveria ser um instrumento argumentativo de conversão para judeus e muçulmanos.
           Podemos dividir seu pensamento nesta questão em duas fases. Na primeira, que compreende quase toda sua vida, Llull defendia a evangelização dos infiéis através do amor e do diálogo, a prática da conversão através de uma conversa inteligente entre homens cultos de diferentes religiões. A partir do século XIV, no fim de sua vida, o fracasso do esforço missionário pacífico levou-o a defender o uso da força. Esta perspectiva se insere no quadro histórico ibérico da época, de expansão e conquista militar cristã, fase final da Reconquista. Logo, possui um espírito de cruzada ibérica (tardio em relação ao resto da Europa), expansão ultramarina (idéia que precede em quase um século as navegações portuguesas) e sentido civilizacional cristão (que permeia toda sua obra).

Ramon Llull entregando sua obra para uso nas Cruzadas.
fonte: cometica.ufpr.br

           No tratado Liber de fine (1305), preocupado com possíveis fracassos militares na dispersão das forças cruzadas em várias frentes de batalha, propôs que a cristandade concentrasse seus efetivos na expulsão dos mouros de Granada e num bloqueio econômico e militar ao Egito. No Liber de acquisitione terrae sanctae (1309) retornou à pregação da cruzada, considerando a viabilidade da tomada de Constantinopla simultaneamente a uma operação contra Granada.
            Em sua estratégia cruzadística, o papel desempenhado pelas ordens militares era fundamental. A grande questão de seu tempo a respeito das ordens foi a supressão do Templo decidida por Clemente V, e o destino dos bens templários espalhados por toda Europa. Llull sugeriu ao papa a fusão das ordens numa só, a exemplo de Pedro Dubois. Na idéia de um controle maior sobre as ordens, também pensou numa espécie de "independência restrita" no mediterrâneo leste, área de maior atrito entre templários e hospitalários, principalmenteDe qualquer forma, para Ramón Llull o papel dos monges guerreiros era o de protagonista do teatro da guerra cruzada na Península. Os atributos considerados por Llull essenciais para a consecução da cruzada eram a caridade (caritas) e o poder (potestas), ambos intrinsecamente ligados à ideologia cruzadística monástico-militar.
            O conteúdo de sua Ars é, basicamente, a exposição deste método argumentativo. O sistema combinatório de que Llull faz uso utiliza um simbolismo visual (esquemas, letras, cores, figuras geométricas), em que foi dado um importante passo a caminho das operações intelectuais baseadas num mecanicismo de fundo matemático. Além disso, Llull inaugurou o catalão literário, fazendo um pioneiro uso do vernáculo românico para seus escritos. Sua obra teve grande repercussão até meados dos século XVIII, e o lulismo penetrou também em Portugal, juntamente com outras correntes filosóficas, como o averroísmo e o escotismo. Registramos algumas obras de Llull na biblioteca alcobacense, em letra gótica miúda do século XV, além de referências no Leal Conselheiro de D. Duarte. Todavia, não teve o mesmo eco entre os filósofos.

Notas:

1.  LLULL, Ramon. O livro da Ordem de Cavalaria. Trad. Ricardo da Costa.
São Paulo: Giordano, Instituto Brasileiro de Filosofia e
Ciência "Raimundo Lúlio" (Ramon Llull), 2000.

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