quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O homem, o centro. parte final.


“ O Humanismo não é apenas o gosto pela antiguidade, é o seu culto;
                               culto levado tão longe que não se limita a adorar, mas esforça-se por reproduzir.
                               E o humanista não é só o home que conhece os antigos e nele se inspira; é
                               aquele que está de tal modo fascinado pelo seu prestigio que os copia,
                               os imita, os repete, adota seus modelos e os seus modos, os seus exemplos
                               e os seus deuses, o seu espírito e sua língua. Um tal movimento,
                               levado até as suas extremidades lógicas, tendia a nada menos que
                               suprimir o fenômeno cristão.”

                               Phillipe Monnier, Le Quattrocento, livro II, c. I, p.24.  1

A Criação. Afresco de Michelangelo na Capela Sistina.
fonte: acervo particular

O Renascimento ao contrário do período medieval, não dividiu o passado de acordo com o plano divino da salvação, mas sim com base nas ações humanas. O tempo “intermediário” dava lugar a um ressurgimento de todas aquelas artes e ciências que haviam florescido nos tempos antigos.
A origem dessa visão revolucionária da história pode ser buscada nos anos de 1330, nos escritos do poeta italiano Petrarca  2; o primeiro dos grandes homens a dar início ao Renascimento, corporificando em seus estudos duas características do momento: o individualismo e o humanismo. O individualismo, uma nova autoconsciência e autoconfiança, permitiu ao homem afirmar, contra toda a autoridade estabelecida, que a “era da fé” fora na verdade, uma era de trevas e que os pagãos “incivilizados” da antiguidade, representavam o estágio mais iluminado da história. 3 Para Petrarca o humanismo em oposição às letras divinas ou estudo das Escrituras, significava uma crença na importância das letras humanas, a busca do aprendizado de línguas, literatura, história e filosofia como um fim em si mesmo, num contexto secular, não mais religioso. 4
Embora a política oficial continuasse definida pela influência da Igreja e pela primazia do teocentrismo nas questões de Estado, o imaginário ocidental começava a se interessar por questões relacionadas à natureza e a produção “profana” dos homens, levando-os à investigação do mundo objetivo e das razões não divinas da existência. Aos poucos a Europa abandonava a contemplação das obras de Deus e a preocupação com a salvação da alma e assumia uma atitude investigativa dos fatos da natureza e dos atos humanos. O homem renascentista era curioso e procurava respostas objetivas e naturais não mais nas Escrituras Sagradas. Nessa época Galileu Galilei fazia seus estudos astronômicos, e era considerado pela Igreja como herege; Leonardo da Vinci estudava anatomia e introduzia a perspectiva na pintura a fim de retratar o que havia de natural na natureza e de humano no humano. 5
            Embora as obras de Petrarca apontassem para a antiguidade clássica, de forma alguma o interesse dos renascentistas era o de reproduzir com exatidão as obras antigas, mas igualar-se a elas e se possível superá-las. Na prática isso significava que a autoridade atribuída aos modelos antigos estava longe de ser ilimitada. Os humanistas não se tornaram neopagãos, mas foram muito longe em sua tentativa de harmonizar a filosofia clássica com o cristianismo. Os arquitetos continuaram a construir igrejas e não templos pagãos, mas ao fazê-lo usavam um repertório baseado no estudo das estruturas clássicas. Assim também faziam os médicos apaixonados pelos estudos de anatomia dos antigos. O desejo de retornar aos clássicos, desejo tão rejeitado na Idade Média, trouxe à nova era o nascimento de um novo homem: o Homem Moderno.

Notas:

1. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. SP.
 Editora Martins Fontes.1999. p.479.

2. Francesco Petrarca (1304 – 1374) foi um dos poetas mais influentes da literatura ocidental, sabendo integrar os valores da antigüidade greco-romana a um cristianismo aberto às emoções humanas. Inaugurou assim na literatura a fusão entre fé e paixão, ou entre conflito e mudança, que anunciava o Renascimento e a modernidade. Dentre suas obras mais importantes estão De vivis illustribus  ( Sobre homens ilustres), coleção de biografias dos heróis da história romana, e  De vita solitária ( 1346, sobre a vida solitária ), em que desenvolveu sua teoria a respeito de como o homem pode desfrutar ao mesmo tempo da natureza e da espiritualidade, obras de suma importante para os homens renascentistas. DOTTI, Ugo. Vida de Petrarca. SP. UNICAMP. 2007.

3. JANSON, H.W. Iniciação a história da arte. SP. Editora Martins Fontes. 1996. p.168.

4. DOTTI, Ugo. Vida de Petrarca. SP. UNICAMP. 2007. c.3 e passim.

5. PASSADOR, Luiz Henrique. Antropos e Psique, o outro lado da subjetividade.
SP. Editora Olho d’Água. 2002. p.34.

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