quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A arquitetura religiosa no Humanismo.

            "... a grande transição do espírito europeu do Reino de Deus para a Natureza, das coisas eternas para o ambiente imediato, dos tremendos mistérios escatológicos para os segredos mais inofensivos do mundo criado. (...) A vida orgânica, que depois do fim da Antiguidade havia perdido todo o valor e significado, mais uma vez se torna honrada, e as coisas individuais da realidade sensível são doravante erguidas como sujeitos de uma arte que já não requer justificações sobrenaturais. Não há melhor ilustração desse desenvolvimento do que as palavras de São Tomás de Aquino, 'Deus rejubila em todas as coisas, em cada qual de acordo com sua essência'. Elas são o epítome cabal da justificação teológica do naturalismo. Todas as coisas, por mais pequenas e efêmeras que possam ser, têm uma relação imediata com Deus; tudo expressa a divina natureza de sua própria maneira e assim ganha valor e significado também para a arte". 1

         
             A linha de pensamento dos humanistas objetivava a elaboração de modelos simbólicos do universo cósmico. O princípio de unidade é levado à geometria, e as plantas dos edifícios religiosos quase sempre se apresentavam como poligonais centralizadas. A questão da centralidade nas artes ficou clara na obra De re aedificatoria, livro composto de 10 volumes, escrito pelo arquiteto Leon Battista Alberti a partir do ano de 1443. O círculo, afirma ele, é a forma primária que acima de todas as outras é favorecida pela natureza começando pela própria forma do mundo. 2  Seus projetos tinham como repertório os poucos intactos edifícios redondos da Antigüidade Romana, já que a maioria seguia a forma retangular. Porém seus estudos tinham origem também na obra de Vitrúvio, que no apêndice do seu Quarto Livro já destacava o círculo como uma das formas possíveis para os edifícios religiosos.  3  Além do círculo ficaram estabelecidas outras oito figuras geométricas para as construções religiosas; dentre elas o quadrado e os retângulos provenientes do quadrado e meio, quadrado mais um terço e quadrado duplo.
            O resgate da obra de Vitrúvio fez com que a geometria renascentista fosse clara (diferente das igrejas góticas, onde as formas só poderiam ser compreendidas pelos iniciados), e cada uma das partes do edifício estivesse intimamente ligada ao todo, por analogia, conforme os membros do corpo humano como no tratado de Vitrúvio. O mesmo arquiteto romano foi importante quando o resgate da figura do Homem Vitruviano sintetizou o conflito do círculo com o quadrado na modulação de várias construções da época, revelando o embate filosófico relacionado entre o Céu e a Terra, entre o Cósmico e  Humano, embate esse proporcionado pela nova forma de ver o homem no mundo – “Deus também criou o homem à sua própria imagem: pois como o mundo é a imagem de Deus, também o homem é a imagem do mundo.” 4
Tempietto de S. pedro, Bramante.
fonte: vam.ac.uk
            O Tempietto de São Pedro, de Donato Bramante, finaliza o uso do círculo como símbolo religioso durante o período Clássico. Construído em Montoro no ano de 1502 no local histórico do martírio de São Pedro, o edifício com planta circular teve seu destaque semelhante ao Panteão de Roma (no que diz respeito à utilização como repertório para arquitetos posteriores – Palladio, por exemplo),  porém suas dimensões são menores, por se tratar de uma construção dentro de um claustro. O interesse no estudo dessa construção se deve à harmonia perfeita alcançada por intermédio de um profundo conhecimento das soluções formais utilizadas, harmonia essa também alcançada nos antigos edifícios de mesma planta circular.
            Mesmo com simbolismo tão rico, as igrejas de planta circular foram construídas em curto período, já que a Igreja Católica não desistira facilmente de suas tradições. Com a influência desta igreja, a planta dos espaços sagrados voltou a ser a cruz latina, manifestação máxima do amor de Cristo pelo homem; porém o cubo permaneceu presente. Apenas no período Barroco, com a introdução das linhas orgânicas é que entra em declínio o uso do quadrado nas construções clássicas destinadas ao Sagrado. Auxiliado pela filosofia do século XVIII, o homem ocidental  modifica o sentido do Sagrado em sua vida, o que repercute diretamente na geometria e arquitetura, passando o círculo a ser utilizado sem intenções simbólicas, apenas plásticas.

Notas:

1.  HAUSER, Arnold. The Social History of Art. Routledge, 1999. Volume 1, pp. 210-215
2. BIERMANN, Verônica. Teoria da arquitectura: do Renascimento aos nossos dias. Lisboa- Portugal.
Taschen Editora. 2005.  p. 22 e passim.

3. PENNICK, Nigel. Geometria Sagrada. SP.Editora Pensamento. 1980. p.107.

4. ROOB, Alexander. Alquimia & Mística, el museo hermético – Madrid, Espanha: Taschen, 2005. p. 534 apud  Cornelius Agrippa, Filosofia Oculta, 1533.

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