“ O símbolo atua abrindo o consciente mais imediato e,
ao
mesmo tempo, fazendo imergir até a superfície da consciência,
elementos
inconscientes por associação e encadeamento espontâneo de emoções,
imagens,
recordações e pulsações, concatenando assim uma reserva de significados.”
PERADEJORDI, Julio. A propósito del símbolo. 1
Um fato curioso sobre o projeto das catedrais medievais é
que nenhuma das construções góticas possui autoria reconhecida e até hoje, o
único tipo de identificação encontrada são marcas gravadas nas pedras. Os mestres das primitivas confrarias de
construtores costumavam reconhecer-se entre si por símbolos e sinais que
traçavam nas paredes dos edifícios onde exerciam o seu ofício, nascendo assim
as siglas lapidárias. Estas siglas, abundantes em várias igrejas, serviam tanto
para identificar o seu autor (uma espécie de rúbrica pessoal) como a confraria
a que pertencia, sendo um símbolo particular pertencente ao simbolismo de uma
coletividade. Alguns autores afirmam que as siglas lapidárias tinham como única
finalidade utilitária a identificação do trabalhador para efeito de pagamento
do seu trabalho. Contudo a maioria desses sinais esculpidos são identificados
como pertencentes à simbologia mística e esotérica, e portanto, sendo símbolos
sagrados em um período onde a intensidade espiritual e religiosa dominava a
sociedade, talvez não foram utilizados apenas como sinais de identificação
pessoal para fins salarial e “ profanos”, já que se tratava de edifícios
religiosos. 2
Detalhe da alvenaria com inscrições. Igreja São Pedro de Chevron Villiers, Normandia - França Fonte: www.lusophia.wordpress.com |
É também muito compreensivo que estas siglas, representassem
a confraria companheiril mais do que a pessoa em si mesma que assim deixava a
sua marca em determinada obra do seu empenho, contudo ao mesmo tempo o teor da doutrina estudada pela mesma
corporação através dessa linguagem simbólica universal. Isso pode ser constatado
também porque os signos usados dos canteiros não se resumiam em um só tipo e
sim em quatro classes gerais, conforme apresentadas tanto nos monumentos como
nos “ incunábulos” 3 . Podem sem configurados na ordem de importância
a seguir : A) signos paleocristãos; B) signos mágico-cabalísticos; C) signos
astrológicos; D) signos numéricos. Por
vezes, ao invés de uma só classe aparecem todas misturadas entre si.
Bafomé esculpido em igreja dos Templários. Fonte: pt.fantasia.wikia.com |
Enquanto as inscrições nos tijolos são esquemas complexos e
de difícil compreensão, os arquitetos não pouparam esforços para revelar todos
os detalhes na estatuária das catedrais, principalmente as que dominavam os
telhados destas edificações. Gárgulas e figuras antropomórficas aparecem em
grande número nestes edifícios, num primeiro momento como parte da estabilidade
do sistema estrutural gótico. Contudo inúmeros estudiosos aproveitaram estas
figuras para destrinchar outras análises sobre estas peças, dotando as mesmas
de muita simbologia mística, neste caso de fácil aceitação haja vista que não
se pode criar outro tipo de entendimento senão o caráter religioso.
Se as gárgulas já são assustadoras, uma outra figura mítica
aparece com frequência em algumas fachadas, muito temida no imaginário do período medieval:
o Bafomé. Destacado em muitas portas de
igrejas, a figura metade homem e metade bode, por muito tempo foi confundida
com o demônio revelado na doutrina cristã. Mas seu sentido pode ser outro, “um símbolo
templário, que expressa a necessidade humana de transcender seus instintos
básicos, a fim de ascender espiritualmente e cumprir seu papel evolutivo. Ser
parte de Deus, até se confundir com Ele, é o sentido da verdadeira humanização.
E este era o ensinamento maior dos idealizadores do gótico, que criaram uma
arquitetura viva. Suas catedrais estão tão perfeitamente integradas ao cosmo,
que são praticamente forças da natureza”, como explica o teólogo Victor Franco. 4
Homem verde, esculpido em igreja gótica. Fonte: www.google.com |
Nas fachadas destas mesmas igrejas, o Bafomé às vezes se
alterna com outra figura antropormófica chamada “Homem verde”, este já um
símbolo mais estudado no Renascimento,
representando o ciclo de crescimento da natureza a cada primavera. Para esta
figura, estudiosos acreditam que sua ligação seja mais com a Maçonaria e ao
culto da Deusa da Fertilidade. 5
No interior destas igrejas, outros elementos sugerem
discussões com inclinação ao misticismo para alguns elementos que algumas vezes
aparece sem justificativa nos dogmas do Cristianismo, ou sem uma clara necessidade
arquitetônica. Olhando para o alto, algumas igrejas apresentam o Zodíaco na
decoração do tambor da cúpula, relacionando as constelações com representações personificadas por figuras
ou animais – neste caso, fazendo conexão dos signos de Touro, Leão, Escorpião e
Aquários com os quatro Evangelistas do Novo Testamento,
respectivamente Marcos, Lucas, João e Mateus. Em outros momentos, é o piso que nos chama a
atenção, caso da Catedral francesa de Chartres. Chamados de “Labirinto de Salomão”, eles
costumam se localizar no ponto em que a nave e os transeptos se unem. Seu
sentido alquímico é o mesmo do mito grego de Teseu, o herói que entra num
labirinto a fim de combater o Minotauro e, após vencer o terrível monstro,
consegue voltar, graças ao fio que Ariadne lhe dera. 6
Piso com labirinto. Catedral de Chartres, França. Fonte: www.google.com.br |
Outro espetáculo que a arquitetura interna das catedrais
góticas oferece é o “banho” de luz solar nas horas canônicas. A intenção era
que durante as vésperas (hora canônica correspondente às 6 horas e na hora mariana correspondente às 18 horas),
a luminosidade filtrada pelas “rosáceas”
criasse a sensação de um incêndio, um suposto “ fogo iniciático”. Essas rosáceas são vitrais circulares, obtidos
por meio de uma geometria complexa que se repete ao longo da circunferência, à
maneira das “mandalas”. Para os
místicos, elas funcionavam como "um
mapa" das tradições que precisavam ser transmitidas, e para isso se
apropriavam de muitas cores – o arco-íris, símbolo da aliança de Deus com os
homens no pós dilúvio 7 – e principalmente
da forma do círculo – a “roda”, que na Alquimia, simboliza o tempo necessário para o fogo agir
sobre a matéria, a transmutação 8. Há, ainda outra corrente de pensadores
místicos que compara as rosáceas a flores, símbolos da pureza, da castidade e do feminino, qualidades valorizadas no período medieval,
que, acima de tudo, cultuava a Virgem Maria. 9
Rosácea vista a partir da fachada. |
Rosácea vista a partir do interior. Fonte: www.google.com.br |
Esotéricos ou cristãos, o efeito plástico que todos estes
elementos causam é indiscutível e, se a intenção de tais edificações foi de
conectar ao Sagrado por intermédio da emoção, os autores conseguiram. Hoje na
contemporaneidade, alguns elementos ainda são reproduzidos em lugares religiosos,
o que permite afirmar que atingiram o
status de atemporais e relevantes, mesmo
na sociedade capitalista do século XXI. Em tempos de retorno do homem ao
Sagrado, resgatar alguns destes itens é a certeza de conseguir arrebanhar um
numero maior de adeptos, construindo para isso um discurso qualquer para formas
já consagradas no inconsciente esotérico da humanidade.
1. Livre tradução do trecho: “El símbolo actúa abriendo el
consciente más inmediato y, al mismo tiempo,
haciendo emerger hasta la superfície
de la conciencia elementos inconscientes por
asociación y encadenamiento espontâneo
de emociones, imágenes, recuerdos y pulsaciones, concatenado
así uma reserva de
significados.” PERADEJORDI, Julio. El Cuerpo Humano, Biblioteca de lós símbolos.
Ediciones Obelisco.Barcelona, Espanha. 1991.
2. trecho retirado do link:
3. Incunábulo é um livro impresso nos primeiros tempos da
imprensa com tipos móveis.
A popularização da imprensa começa a ser mais
percebida em 1450, com Gutenberg.
Refere-se às obras impressas entre 1455, data
aproximada da publicação da Bíblia de Gutenberg, até 1500.1 .
Essas obras
imitavam os manuscritos.
Assim, demorou-se 50 anos para que o livro impresso
passasse a ter suas próprias características,
abandonando, paulatinamente, as
características do livro manuscrito.
A sua origem vem da expressão latina in cuna (no berço), referindo-se assim
ao berço da tipografia.
Fonte: www.wikipédia.com.br
4. In A fé cristã em
confronto com o humanismo ateu: a perspectiva de Henri de Lubac.
GOMES, Victor Franco. Editora: Faculdade de Teologia da
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa. 2006.
6. Filosoficamente, o labirinto são os inúmeros caminhos que
o homem tem à sua disposição.
Cedo ou tarde, ele entrará em contato com seu
monstro interior, sua falta de luz.
Aquele que consegue combater e vencer as
próprias imperfeições – o Minotauro – pode
voltar à vida.
Mas só os que possuem o fio de Ariadne – símbolo do conhecimento
iniciático – é que conseguem
efetivamente retornar à Luz. http://pt.slideshare.net/Daneto/simbologia-manica-nas-igrejas-10721069
7. Ver livro de Genesis, capitulo 9. Biblia, Antigo Testamento.
8. ROOB, Alexander. Alquimia y Mistica, el museo hermético.
Taschen. China, 1997
9. Evocada como
intermediadora entre o terreno e o divino, eleita advogada da humanidade,
a
Virgem Maria inspirou, entre 1170 e 1270, a construção de nada menos que 80
catedrais e
500 igrejas em sua homenagem, só na França. A maioria das igrejas
em honra da
Virgem foram erguidas em lugares antes dedicados a alguma deusas pagãs,
curiosamente, a uma Madona negra, cujos atributos estavam associados à
sexualidade, à procriação e à fertilidade.
Outras ainda eram deusas associadas
à Lua ou ao planeta Vênus.
Em outras palavras, eram herdeiras da antiga crença
em uma Deusa-Criadora, predominante nas concepções religiosas mais arcaicas e
retornada com força pelas Ordens secretas da Idade Média,
algo como a “Virgini Paritures” ou “Nossa Senhora dos
Subterrâneos”,
divindade cujo poder encontrava-se na morte e renascimento,
muito cultuada pelos Templários.
FULCANELLI. O Mistério das Catedrais. Editora
Madras, São Paulo. 2007
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