"Contrariamente às predições dos sociólogos da religião das décadas de 50 e 60,
que apostaram num processo de decadência da religião, fruto do avanço da técnica e da Modernidade,
parece que assistimos a uma revitalização religiosa através de fenômenos, como o avanço do fundamentalismo,
a difusão do pluralismo religioso e a fragilidade das instituições religiosas (Igrejas),
como únicas portadoras de certezas existenciais."
Brenda Carranza, 1998. 1
A produção e a experiência da arquitetura – como a de qualquer outra arte – constituem sempre atos crítico-históricos, envolvendo o que o arquiteto e o espectador aprenderam a distinguir e a imaginar através de suas próprias relações com a vida e com as coisas. Segue- se portanto que a força e o valor de nosso contato com a arte e arquitetura dependerão da qualidade de nosso conhecimento histórico.
Não existe maneira de separar a forma do significado; uma coisa não pode existir sem a outra. O que pode haver são apenas diferentes avaliações críticas dos principais métodos mediante os quais a forma transmite significado ao espectador. A memória é o agente operante pertinente neste processo de resgate. Tanto a empatia quanto a identificação de sinais são respostas aprendidas, resultado de experiências culturais específicas. 2
O resgate de um vocabulário arquitetônico anterior já havia sido praticado por inúmeros arquitetos, dentre eles Michelangelo, por exemplo, que “tendo raramente adotado um tema [em sua arquitetura] sem lhe dar uma nova forma ou um novo significado (...) reteve invariavelmente características essenciais de antigos modelos para forçar o observador a recordar a fonte ao mesmo tempo em que desfrutava das inovações.” 3 Os arquitetos contemporâneos acreditam que “quando hoje reexamina-se – ou descobre-se – este ou aquele aspecto da produção de construções de outros tempos, não é com a idéia de repetir suas formas; é, antes, na expectativa de alimentar mais amplamente novas sensibilidades que são inteiramente fruto do presente.” 4 ; e uma citação da década de 1960 do arquiteto Robert Venturi também serve como complemento ao pensamento acima “os elementos convencionais em arquitetura representam um estágio no desenvolvimento evolutivo e contém, na alteração de seu uso e expressão, parte de seu significado passado, assim como de seu novo significado . (...) isso é o resultado de uma combinação mais ou menos ambígua do antigo significado, convocado por associações, com um novo significado, criado pela função modificada ou nova, estrutural ou programática, e pelo novo contexto (...) o elemento vestigial desencoraja a clareza de significado e promove, em seu lugar, a riqueza de significado.” 5. A arquitetura contemporânea produzida a partir do resgate de formas simbólicas passadas capacita antigos lugares-comuns com novos contextos, ricos em significados ambiguamente velhos e novos, banais e brilhantes. 6
Independente do vocabulário arquitetônico escolhido para determinado projeto, o arquiteto deve se adaptar as exigências da massa pós-moderna (consumista e descompromissada), composta por vários tipos de indivíduos. Sem ideais sólidos, o homem contemporâneo dedica-se a causas periféricas, e as religiões são substituídas por esoterismo ou outras filosofias, não menosprezando o valor de cada uma delas. Pensa mais em expandir a mente do que na salvação da alma. As novas práticas são libertadoras e a religião continua culpabilizante. “As religiões se marginalizaram. Elas se afastaram das experiências concretas das pessoas (...) As religiões como muitos hoje já tem convicção, não fazem mais apelo à arte. Elas se puseram fora de combate.” diria James Turrel quando questionado sobre o distanciamento das artes da religião. 7
Templo Bahai - India. http://www.google.com.br/ |
Para os poucos homens religiosos do século XXI, o espaço ainda continua heterogêneo; ele apresenta roturas, quebras, existindo porções de espaço qualitativamente diferente das outras. Em contrapartida, para a experiência do sujeito contemporâneo, o espaço é homogêneo e neutro: nenhuma rotura diferencia as diversas partes de sua massa. Por vezes, o homem não-religioso segrega locais privilegiados, mas estes são qualitativamente diferentes dos outros: a paisagem natal, ou os sítios dos primeiros amores, ou certos lugares na cidade estrangeira visitada na juventude. São lugares com uma qualidade excepcional, única, são os lugares sagrados do seu universo privado, como se neles um ser não-religioso tivesse tido a revelação de uma outra realidade, diferente daquela de que participa em sua existência cotidiana. 8
Notas:
1. CARRANZA, Brenda. in http://www.pime.org.br/mundoemissao/religgeralseculo.htm, texto sobre a religião no século XXI
2. SCULLY,Vicent. apud VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. Sp. Editora Martins fontes. 2004. nota à segunda edição.
3. ACKERMAN, James. apud VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. SP. Editora Martins fontes. 2004. p. 50.
4. HITCHCOCK, Henry Russel. apud VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. SP. Editora Martins fontes. 2004. citação no prefácio XXV.
5.VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. SP. Editora Martins Fontes. 2004. p.46.
6. Ibid, p. 40.
7. TURRELL, James. Revista L’architecture d’aujord’hui, jan/fev. 2005 – edição nº 356. Entrevista concedida em Paris, no mês de outubro de 2004.
8. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o profano. SP. Editora Martins Fontes. 1992. p.28.