Internacionalmente famosa como um
dos destinos cristãos mais importantes do mundo, a cidade de Santiago de
Compostela a noroeste da Espanha, possui popularidade possivelmente só superada
por Roma e Jerusalém no que diz respeito as peregrinações. Ligado a esta
tradição, que remonta à fundação da cidade no século IX, destaca-se a catedral
de Santiago, que abriga o túmulo de Santiago Maior, um dos apóstolos de Jesus
Cristo. A visita a esse túmulo marca o fim da peregrinação, cujos percursos, os
chamados Caminhos de Santiago ou Via Láctea, se estendem por toda a Europa
Ocidental ao longo de milhares de quilômetros.
Angulos da cidade de Santiago, com sua arquitetura medieval. Fotos: arquivo pessoal. |
As origens do culto a São Tiago
na Galícia se perdem na história. Contudo, em finais do século VII, textos
revelam a divulgação no noroeste da Península Ibérica, de uma lenda que contava
que o corpo do apóstolo Tiago teria sido enterrado naquelas terras após o
período de evangelização. A evangelização da Hispânia por Santiago é mencionada
pelo arcebispo Isidoro de Sevilha (560-636) no seu tratado “De Ortu et Obitu Patrum” e
pelo bispo inglês Adelmo de Malmesbury (639-709). Segundo esta lenda, na
primeira década do século IX (especificamente no ano de 813, e oito séculos
após a morte do apóstolo Santiago), um eremita chamado Pelágio (ou Paio)
juntamente com outros fiéis, viu umas luzes estranhas perto do lugar conhecido
como Solovio, num bosque chamado Libredón, e comunicou a ocorrência a
Teodomiro, na ocasião bispo de Iria Flávia. Depois de três dias de jejum, o
bispo e seu séqüito deslocaram-se ao local e descobriram entre o matagal um
monumento construído em placas de mármore, constituído por um pequeno edifício
abobadado em ruínas. Numa câmara do interior havia um túmulo em mármore e um
altar, pelo que não tiveram duvida alguma de que se tratava do sepulcro do
apóstolo e dos seus dois discípulos Atanásio e Teodoro.
Rei Alfonso II, em iluminura do século X. Fonte: www.google.com |
O bispo comunicou o achado ao rei
das Astúrias e Galícia Alfonso II, o Casto, que se deslocou imediatamente com
sua corte ao local, outorgando ao bispo as terras vizinhas ao sepulcro e as
suas respectivas rendas. Dada a importância religiosa e política do achado, o
rei Afonso II mandou construir uma igreja pequena e simples sobre o cemitério e
“supra corpus apostoli” (“por cima do corpo do apóstolo”), junto a um
batistério e outra igreja dedicada ao Salvador. Para tal foram derrubadas as
colunas existentes e construída uma parede rodeando a arca de mármore e
formando uma nave de planta retangular, com uma pequena ábside, estando todo o
conjunto coberto com um teto em madeira.
Escultura do rei Alfonso II, localizada na cidade de Santiago de Compostela Fonte: arquivo pessoal. |
No verão de 997, Santiago de
Compostela foi atacada por Almançor, o governante do Califado de Córdoba.
Prevendo esse ataque, o bispo Pedro de Mezonzo tinha mandado evacuar a cidade. O
exército de Almançor incendiou a cidade e o templo pré-românico, mas respeitarou
o sepulcro do apóstolo, um gesto que é comparado ao de Átila ao poupar Roma. A
conservação do sepulcro permitiu que o Caminho de Santiago continuasse apesar
da destruição do santuário, que voltou a ser reconstruído cerca do ano 1000
pelo bispo Pedro de Mezonzo. 2
Códice Calixtino original. Foto: www.google.com |
O templo do século X também se
mostrou pequeno para atender às numerosas peregrinações que acorriam à cidade.
Sob o impulso do rei Afonso VI, o Bravo e do bispo Diego Páez em 1075 foram
iniciadas as obras para construir uma grande catedral românica, a cargo dos
mestres de obras Bernardo, o Velho, que concebeu e desenhou o projeto, e do seu
ajudante Galperinus Robertus. Segundo Códice Calixtino 3 , trabalharam na
construção 50 equipes de obras 4 . Em 1101, o Mestre Estêvão abandonou a cidade
de Compostela, deixando completas as capelas do deambulatório e iniciadas as
obras da fachada das Pratarias. A partir daí os trabalhos prosseguiram com
regularidade; em 1111 foram terminadas as obras no cruzeiro, em 1122 (de acordo
com o mesmo Códice Calixtino) foi colocada a última pedra. Diego Gelmires teve um papel crucial não só
na construção da catedral como na intensa atividade de construção vivida na
cidade nessa época. Tendo sido nomeado bispo em 1100, em 1120 tornou-se o
primeiro arcebispo de Compostela. E apesar de tantos períodos com as obras
paradas, a grande quantidade de esmolas conseguidas possibilitou que a igreja
fosse consagrada em 1128.
No ano de 1140 deu-se início a
mais uma fase de construção, quando já estavam construídos e cobertos seis
tramos das naves. Nesta fase as obras estiveram a cargo do Mestre Mateus, que
respeitou a organização arquitetônica precedente e que em 1168 começou a
construir o Pórtico da Glória. Não obstante as obras terem prosseguido por boa
parte do século XIII, a catedral foi consagrada definitivamente em abril de
1211. Nos motivos esculpidos nos capitéis da nave central é notória a evolução
dos mestres da obra: nos primeiros — a contar do cruzeiro — aparecem parelhas
de animais fantásticos e reais (águias, leões, pombas e sereias) e,
ocasionalmente, figuras humanas; os quatro últimos tramos já são claramente
obra da oficina de Mateus: folhas lisas ou espiraladas, por vezes com figuras
humanas assomando-se entre elas, monstros, leões, dragões e lobos.
A catedral de Santiago, vista a partir da praça do Obradoiro. Fonte: www.google.com |
Durante os séculos XVII e XVIII
foram levados a cabo transformações profundas na catedral, tendo sido
introduzidos elementos barroco, tanto no interior como no exterior da basílica.
As obras começaram a partir de 1643, quando Filipe IV outorga uma renda anual
para financiar as obras na cabeceira. Em 1649 chega à cidade José Vega y
Verdugo, que introduz verdadeiramente o barroco na catedral. Em 1657 o
arquiteto madrileno Pedro de la Torre inicia a remodelação da capela maior.
Praça do Obradoiro com edificação do Hospital dos Reis Católicos. Fonte: www.google.com |
Notas:
1 - BRAVO Lozano & Raurich. El
Camino de Santiago inolvidable, Editora Everest. Leon, Espanha. 1999, p. 5
3 - O Liber Sancti Jacobi, também
referido como Codex Calixtinus ou Códice Calixtino (Santiago de Compostela,
Arquivo da Catedral, s.n.), é um manuscrito iluminado de meados do século
XII. É conhecido do grande público pelo
seu livro V, que se constitui no mais antigo guia para os peregrinos que faziam
o Caminho rumo a Santiago de Compostela, incluindo conselhos, descrições do
percurso e das obras no arte nele existentes, assim como usos e costumes das
populações que viviam ao longo da rota. Os demais livros do códice contêm
sermões, narrativas de milagres e textos litúrgicos diversos relacionados com o
apóstolo São Tiago.
4 - M. C. Díaz y Díaz, El Códice
Calixtino de la Catedral de Santiago. Estudio Codicológico y de contenido,
Santiago de Compostela, Espanha. 1988.
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