segunda-feira, 2 de maio de 2016

Esplendor do barroco místico no interior da catedral de Santiago em Compostela.

" A Europa se fez peregrinando a Santiago de Compostela"
frase atribuída ao escritor e pensador Goethe. 1

Vista do altar mor em tipologia barroca.
Fonte: www.benevale.com

Originalmente, a capela-mor foi construída na tipologia reinante na época, ou seja, o românico, vindo a ser completamente reformada durante o período barroco, a partir de 1657, por ordem de José Vega y Verdugo, o mestre de obras nomeado pelo papa Inocêncio X. Nas obras desse período trabalharam diversos artistas notáveis, como o catalão Onafre, Bernardo Cabrera ou o ourives Xosé Clemente, sob a direção do salmantino José Peña de Toro e sobre um projeto inicial de Pedro de la Torre. Os pilares e colunas românicas foram então revestidas por colunas salomônica em jaspes vermelhos e mármores negros. Quando Vega y Verdugo abandonaram as obras para ir à Granada, em 1672, só estava construído o primeiro corpo do baldaquino, cujas obras são continuadas por Domingo de Andrade, que em vez da cúpula prevista optou por uma de forma piramidal de três corpos.

Detalhe da escultura de Santiago com esclavina em prata.
Fonte: www.benevale.com
No centro da capela encontra-se o mausoléu do apóstolo, conhecido como o camarím. Por cima deste ergue-se o altar, construído igualmente por Andrade. Este desenhou três representações do santo. Dentro do camarím está uma imagem sentada de pedra policromada de 1211 de Santiago Apóstolo vestido como peregrino com uma esclavina de prata profusamente adornada com pedras preciosas, com uma cartela onde se lê «Hic est corpus divi Iacobi Apostoli et Hispaniarum Patroni» ("Este é o corpo de Santiago Apóstolo e Padroeiro da Espanha").  2  É tradição que os visitantes da catedral subam pela parte posterior do altar, através de uma escadaria dupla ali existente que liga os dois lados do deambulatório, para o "abraço do Apóstolo", que consiste em abraçar a imagem pelas costas. Sobre o tabernáculo está representado Santiago peregrino, a quem quatro reis prestam homenagem: Afonso III, Ramiro I, Fernando, o Católico e Filipe IV; as estátuas dos quatro reis são da autoria do leonês Pedro del Valle. 

Detalhe do artesoado ricamente decorado.
Fonte: www.benevale.com
Quatro pares de anjos sustentam o artesoado da cobertura, sobre a qual se encontra a terceira representação de Santiago, a cavalo, uma obra de Mateo de Prado (m. 1677), rodeado por imagens das virtudes cardinais, uma em cada um dos ângulos, todas da autoria de Pedro del Valle: a prudência, a justiça, a força e a temperança. A coroar o altar encontra-se a arca do corpo do apóstolo, encimada por uma estrela e transportada por anjos.

Vista da abóbada do cruzeiro, com decoração barroca.
Fonte: www.benevale.com
A prata usada na construção do frontal do altar, no sacrário, no expositor e na imagem da Imaculada foi doada pelo arcebispo de origem mexicana António de Monroy que esteve à frente da arquidiocese de Compostela entre 1685 e 1715. Detrás do camarim há um pequeno retábulo da autoria de Pedro de la Torre com cenas da vida do santo. Na entrada da capela há dois púlpitos renascentistas, um de cada lado, com mais cenas da vida do apóstolo, realizado por Juan Bautista de Celma em 1578. 

Debaixo do camarim está o suposto sepulcro de Santiago e dos seus dois discípulos Atanásio e Teodoro. Por receio das frequentes incursões de piratas ingleses, especialmente de Francis Drake, que ameaçava Compostela depois de desembarcar na Corunha em 1589, por ordem do arcebispo Juan de Sanclemente as relíquias foram trasladadas e escondidas no chão da abside ao lado da capela-mor.

Vista do altar a partir da nave central.

Detalhe dos confessionários localizados ao longo das naves laterais,
com atendimentos em diversos idiomas.
Fonte: www.benevale.com
Ao longo das naves, se enfileiram os feixes de colunas com fustes românicos e capitéis corintios ou compostos, cuja rigidez do material ou falta de decoração mais rebuscada preserva a atenção à abside ou ao altar mor da igreja. Ao longo destes fustes, saltam aos olhos dos estudiosos os inúmeros signos incrustados nas pedras que formam estas colunas, provavelmente herança das ordens secretas que participaram da construção desta edificação. Já as abóbadas e os arcos conservam vestígios de cinco etapas pictóricas: pinturas medievais, outras renascentistas de Juan Bautista de Celma, barrocas de Pedro de Mas ou tardo-barrocas de Gabriel Fernández, que as pintou junto com as do zimbório do cruzeiro entre os anos 1766 e 1767.



Inscrições simbólicas nas colunas de pedras ao longo da nave central.
Fonte: arquivo pessoal.
Como elementos únicos existentes nesta catedral vale ressaltar o par de órgaos e o turíbulo, considerado o maior do mundo existente em igrejas católicas. Inicialmente eram dois órgãos independentes. Devem-se a generosidade de Dom Antonio Monroy, Arcebispo (1685-1815). O situado ao sul da nave foi contratado o 13 de dezembro de 1704 ao Maestro de Órgãos Manuel da Vinha, vizinho de Salamanca. A Caixa deve-se a traça-a do arquiteto Antonio Afonsín e ao escultor Manuel Romay, ambos compostelanos. Passariam quatro anos até a entrega do mesmo no ano 1708. Em 1712 o Cabildo encarregou o situado ao norte da nave ao mesmo maestro e ao mesmo Romay a caixa;  Francisco Sánchez foi o encarregado de pintá-lo e dourá-lo.
Vista dos órgaos da catedral.
Fonte: www.benevale.com
Junto à Capela Maior, os órgãos e o coro, hoje desmontado e transladado ao Mosteiro de San Martín Pinario (enfrente da catedral) onde pode ser admirado, formavam o conjunto barroco do corpo da basílica. Os órgãos foram consertados e refinados repetidas vezes, mas pouco a pouco foi-se abandonando o situado ao norte, para limitar ao uso do Sul.  Ao desaparecer o Coro, a partir de 1946, procedeu-se à reforma dos órgãos. Dotou-se-lhes de uma consola comum, se substituiu o fole manual por outro elétrico e, conservando os canos como fonte sonora, se substituiu as varetas mecânicas por um sistema elétrico. Esta importante obra foi feita por Alberdi, famoso organeiro de Azpeitia (Guipúscoa).

Botafumeiro.

Padres acionando o botafumeiro.

Cerimônia com o botafumeiro.
Fonte: www.google.com
Quanto ao turíbulo, ele tem 1m50 de altura e pesa aproximadamente 53 quilos. É elevado a 20 metros de altura e, quando manejado mediante cordas para espargir o incenso pela catedral, pode chegar à impressionante velocidade de 70km/h. Esse enorme turíbulo é conhecido pelo apelido de "botafumeiro", que, na língua galega, significa algo como "espargidor de fumaça". O original foi construído em 1554 e roubado pelas tropas francesas em 1809. O atual foi fabricado 1851. O botafumeiro já foi usado em todas as missas de domingo, mas hoje é reservado a somente doze datas solenes por ano. Abaixo um vídeo revela o momento em que ele é utilizado durante a celebração.


Notas:

1. Goethe, Johann Wolfgang. Escritore  pensador alemão (Francfurt, Alemanha 1749-Weimar, Alemanha 1832). Profundamente europeu e europeísta, a Goethe é atribuída uma das frases que mais felizmente tem sido recuperada para a recuperação da importância das peregrinações atualmente: “Europa se fez peregrinando a Santiago de Compostela”. É utilizada em inúmeros livros, guias, exposições, discursos oficiais, etc. Contudo, a atribuição ao grande escritor alemão parece descartada. As organizações especialistas na obra de Goethe e estudiosos consultados por diferentes instituições – entre elas o governo autônomo da Galícia – não podem confirmar sua existência, 
pelo que atualmente se considera apócrifa.
Ainda assim, se atribuem ao autor de Fausto outra citação relacionando o fenômeno geral das peregrinações com a ideia da Europa.  O médico, político e europeísta galego Gerardo Fernández Albor afirma que a frase atribuída ao autor alemão é a seguinte: ‘Europa ist aus der Pilgerschaft geboren –‘Europa nasceu na peregrinação’-. Uma frase idêntica é resgatada por Millán Bravo Lozano, latinista e grande estudioso do Caminho e de suas origens, quem em um livro em alemão de 1992 sobre Compostela – Santiago de Compostela: auf alten Wegen Europa neu entdecken- destaca a seguinte frase de Goethe:  “Europa is auf der Pilgerschaft goberen und das Christendum ist Seine Muttersprache” –‘Europa nasceu na peregrinação e a cristandade é seu idioma materno”. Tudo indica que em um dado momento da contemporaneidade a frase foi adaptada ao interesse da peregrinação compostelana com um êxito inegável. Independente das afirmações dos estudiosos, na obra de Goethe se pode rastreae alguma referencia a peregrinação de Compostela. Em sua viagem à Itália, realizada entre 1786 e 1788, passa pelas proximidades do santutário suíço de Santa Maria de Einsiedeln, ponto histórico dos peregrinos, especialmente os germânicos. E neste ponto, estabelece relação com uma menina que o conta que estava ali para peregrinar a Compostela com sua mãe, mas esta morreu sem realizar a sua promessa. 
GOETHE, Johenn Wolfgang. Gran Enciclopedia del Camino de Santiago, volumen 9, pag. 53 y 54.
https://albertosolana.wordpress.com/2014/07/15/10-goethe-y-la-peregrinacion-como-origen-de-europa/

2. A esclavina é uma capa curta de tecido ou couro que cobre os ombros, tipicamente usada pelos peregrinos e romeiros.

3. Artesoado refere-se a uma obra decorativa onde se adorna tetos e abóbadas com artesões, molduras de madeira com motivos escultóricos ou pictóricos. É uma característica marcante da arquitetura mudéjar e mourisca.



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