segunda-feira, 23 de maio de 2011

O homem do Iluminismo e sua modernidade

  “Cogito, ergo sum. (Penso, logo existo)”
                                                                René Descartes (1596 – 1650), filósofo francês. 1

Iluminismo.
fonte: pesquisefeliz.blogspot.com
      
            O homem viveu sob o regime imposto pela Igreja Católica ameaçado de morte caso questionasse os dogmas cristãos, até meados do século XVI. Após o longo período teológico medieval, tomou consciência de suas capacidades racionais, aceitando o desafio de desvendar os segredos da natureza como forma de domínio e uso, substituindo portanto o teocentrismo por uma cultura antropocêntrica, olhando o passado como um tempo de superstição e ignorância. 2
            Contudo essa nova forma de pensar foi sendo consolidada sigilosamente através dos tempos, revelando-se então na era moderna sob o termo Razão 3. Dentre as principais contribuições que resultaram no pensamento racional, algumas das mais importantes foram: a elaboração dos três pilares mestres das ciências profanas: a experiência, o experimento e a matemática por Roger Bacon (1214-1294), o novo modo  de   ver   o   mundo  do  geocentrismo  para  o heliocentrismo por Nicolau Copérnico (1473-1543), a moderna ciência da natureza  e  o  novo  sentido  utilitário dado  ao  conhecimento;  caminho  aberto  pelo empirista inglês Francis Bacon (1561-1626), a crença no poder da razão como mecanismo de desvendamento dos segredos da natureza, por René Descartes (1596-1650).4
            O pensamento racionalista redefiniu a condição humana, não mais definido pela alma, o homem passou a ser concebido como um ser cuja condição é a posse e o exercício da razão. Na era moderna o conhecimento passou a ser entendido como produção humana, e buscou-se instaurar a inédita união entre razão e liberdade. No primeiro momento, a razão tornou-se a nova força pela qual o homem podia intervir não só no mundo natural mas também no mundo social. A razão era capaz de promover a emancipação do homem através da ciência e da tecnologia. A partir desses princípios, os iluministas criticaram as “trevas” do pensamento teocêntrico e lançaram as bases de um pensamento político que desembocou na crítica à monarquia e à fusão do Estado com a Igreja. Sua conseqüência mais notável foi a Revolução Francesa de 1789, que marcou o surgimento do Estado democrático separado da Igreja e a ascensão da burguesia como classe dominante. 5  Posteriormente à Revolução Francesa, o homem europeu sentiu-se não só no caminho do progresso, mas começou a provar o gosto da liberdade e a enxergar a possibilidade de tornar-se senhor da história, o que representava domíneo e libertação. 6   De ninguém mais senão dele dependeria esta conquista desde sempre desejada.
            Contudo acreditava-se que a conquista do conhecimento traria tempos melhores, aliviaria as dores e sofrimentos e melhoraria as condições de vida. Enfim, o conhecimento representava garantia de progresso. Esta fórmula, conhecimento é igual a progresso, tornou-se o símbolo de um grande discurso através do qual a humanidade passaria de um estágio menos desenvolvido para um mais desenvolvido. O progresso colocou-se como o novo objetivo da humanidade a ser alcançado pela razão, em substituição à salvação eterna atingível apenas pela fé.
            No mundo moderno onde a liberdade e o poder eram oferecidos ao homem através do conhecimento, a religião acabou sendo o setor mais afetado. A realidade humana passou a ser determinada através dos sentidos e da razão. Só existia aquilo que era perceptível pelos sentidos e comprovado pela ciência. Como Deus e o sobrenatural não poderiam ser comprovados, foram perdendo sua importância. O homem moderno, durante sua passagem pela Idade Média construiu ao seu redor uma realidade fechada  7. E o resultado da passagem das sociedades tradicional para a moderna foi o abandono da idéia de comunidade de povo de Deus e a ocupação de seu lugar pela idéia de individualidade. O sujeito consciente de si assume o poder de instituir uma nova realidade em substituição à antiga visão mágica.
            No céu da esperança de liberdade e autonomia do Iluminismo, pairavam escuras nuvens de uma nova servidão. Não só a natureza tornou-se um objeto de manipulação, exploração e destruição, mas o próprio ser humano não escapou às ambições da razão instrumental, agora também dominado, como objeto de manipulação e exploração. A razão emancipadora transformou-se em razão instrumental que servindo-se dos mesmos mecanismos da ciência e tecnologia, não se deteve ante o próprio homem. 8
            E neste contexto histórico-social dá-se o nascimento do homem moderno. E se o homem moderno nasce neste momento, quando seu reinado terminará? Quanto a isso a literatura filosófica não estabeleceu consenso. Alguns situam o fim desse reinado no século XIX ,em Hegel e ou em Nietzsche; outros prolongam-no pelo século XX adentro, na medida em que não poucos autores contemporâneos podem ainda ser considerados em sincronia espiritual por assim dizer, com os principais pensadores da modernidade. 9
                Em todo o caso, o homem moderno se fechou numa caixa. Mas tudo isto lhe era imperceptível de tão dominado que estava pela euforia do conhecer. Passados tres séculos,o homem começa a sentir hoje os efeitos inevitáveis de passar tanto tempo dentro desta caixa.
Notas:


2. GOERGEN, Pedro. Subjetividade e tecnologia. SP. UNICAMP. 2003.  p. 99   

3. Segundo André Lalande, o termo razão aqui é utilizado enquanto faculdade, sendo neste sentido, considerada como própria do homem. Refere-se à capacidade de afirmar o absoluto, de conhecer e, por assim dizer, de captar o ser tal como ele é, e de fornecer os princípios, de alcançar as verdades necessárias e suficientes ao pensamento e a vida. LALANDE, André. Vocabulário técnico e critico da filosofia. SP. Editora Martins Fontes. 1999. p.918.

4. GOERGEN, Pedro. Subjetividade e tecnologia. SP. UNICAMP. 2003. p. 101   

5. PASSADOR, Luiz Henrique. Antropos e Psique, o outro lado da subjetividade. SP. Editora Olho d’Água. 2002. p. 32.

6. GOERGEN, Pedro. Subjetividade e tecnologia. SP. UNICAMP. 2003. p. 101.

7. Realidade fechada, neste caso, diz respeito ao individualismo que tomou conta do homem moderno a partir do Iluminismo, resultado da possibilidade de poder escolher e enriquecer, tanto no sentido material quanto racional.

8. GOERGEN, Pedro. Subjetividade e tecnologia. SP. UNICAMP. 2003. p. 103.    

9. BICCA, Luiz.  Racionalidade Moderna e subjetividade. SP. Editora Loyola. 1997. p. 145.

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