segunda-feira, 5 de março de 2012

Igreja Católica: projetos de manisfetação da fé

“(...) cada linha, cada massa, cada detalhe deve ser concebido e disposto para exaltar o altar,
conduzir a ele.”
Ralph Adams Cram, arquiteto.1

O sujeito contemporâneo certamente questiona ou diverge dos dogmas católicos, sendo aceitável que as formas de culto sejam “modernizadas” a fim de se criar uma religião mais de acordo com o mundo globalizado. Mas o fazer arquitetura sagrada deveria seguir com o mesmo rigor das construções apresentada nos livros sagrados. Assim como o clero determinou que, a partir de um determinado concílio nada mais se mexia na Bíblia Sagrada, o código arquitetônico católico deveria ser preservado, resguardando uma arquitetura também genuína.

Já na implantação do edifício, a ordem cristã do famoso Sermão da Montanha deveria ser fundamental, localizando a igreja em terreno onde sua presença fosse marcante, assim como no período Gótico. 2.  Considerado um espaço sagrado, a igreja deve ter superioridade natural sobre os prédios profanos que a circundam. Uma praça, átrio ou mesmo um espaço de transição, seria fundamental, mantendo a implantação já determinada no Templo de Salomão. Esse destaque deveria ser audível também. Os sinos, que na liturgia católica recordam a presença do Mestre na Terra , assim como nas mesquitas, possuem a função primordial de convocar á oração.

Notre Dame de Paris. Fachada.

A fachada é o rosto de um prédio, e na função de edifício religioso, assim também deveria ser. Na Idade Média, bastava estudar o significado das inúmeras estátuas e cenas entalhadas na pedra, para compreender as verdades fundamentais daquela determinada fé, a história sagrada, etc. Quando possível, a presença de um vitral na fachada de uma Igreja Católica possui todo o caráter de “iluminação”, aspecto presente no Catolicismo e em diversas outras religiões. 3

O interior da Igreja também é cheio de simbolismo. O nártex (vestíbulo sob o coro) é o primeiro espaço sagrado destes templos. Também conhecido como galilé, era dali que partiam as procissão que, no início da Missa, dirigem-se até o altar, simbolizando a jornada de Cristo desde a Galiléia até Jerusalém, rumo ao sacrifício do Calvário. Ainda sobre este vestíbulo, a presença de água benta lembra o batismo, a necessidade do perdão dos pecados; na Idade Média utilizada como importante instrumento contra os demônios ou anjos maus.  A nave encarna a “Arca de Salvação”, a Barca de São Pedro. Ela é ainda imagem do Corpo Místico de Cristo. Um famoso diagrama coloca o Jesus Crucificado sobre a planta de uma igreja típica: seus pés posicionados na nave central, seus braços no transepto, sua cabeça na abside ou presbitério. Sobre a estrutura da edificação, as colunas da nave representam os Apóstolos, e as colunas do cruzeiro simbolizam os quatro Evangelhos: 12 colunas na nave e 4 colunas no transepto, geralmente coroado pela cúpula. Ao fundo, temos a abside ou o presbitério, cujo nível é mais alto que o da nave. A ele se destinam os mais ricos materiais e a arte mais elaborada. Desta forma, lembra-se ao fiel que a Igreja é hierárquica, composta de membros diferentes, sendo Jesus Cristo a cabeça, representado pelo Papa, bispos e sacerdotes, e com os religiosos e leigos cumprindo suas funções na Igreja militante.

Notre Dame de Paris. Interior.

A mobília também deve cumprir inúmeros pontos importantes do rito. Os genuflexórios servem para a posição corporal essencial do culto: a genuflexão, que é própria da adoração, necessária para se obter o perdão dos pecados.  4   O púlpito, de preferência hexagonal, encontra-se no lado norte da igreja, à direita de quem entra. Como no hemisfério setentrional o norte é o lado menos luminoso, simboliza as trevas e o erro, que os sermões devem dissipar, ou devem ser eliminados pela pregação destemida das verdades evangélicas. Também no lado norte deve situar-se a pia batismal, pois as crianças que ali chegam ainda não pertencem à Igreja. As igrejas devem apontar para o Oriente, pois de lá veio o Salvador, e por ali chegará em sua segunda vinda, segundo as escrituras. A mesa do presbitério faz referencia à “arca de salvação”, local do altar do sacrifício e do tabernáculo, que está dirigido para o Oriente. É o equivalente cristão ao Santo dos Santos dos hebreus, no deserto e no Templo de Salomão.

O Concílio de Trento dispôs que o coro e os instrumentos ficassem na galeria acima do nártex. Não é desejável que músicos e coristas sejam visíveis. Eles devem ir à igreja como fiéis, e não como artistas. As “vozes desencarnadas” do coro evocam o canto dos anjos, proveniente de cima para baixo e ressoando de modo belo nas abóbadas da igreja.

Os vitrais ocupam um lugar especial na arquitetura eclesiástica.  5  Toda outra forma artística no recinto sagrado, como pintura e escultura, está concebida para ser vista sob uma luz filtrada.  6 . Quando o sol se põe, através dos vitrais a luz projeta figuras multicolores no interior da igreja, criando uma sensação do além, uma pouco da beleza do Céu.

Coincidência ou não, todos estes itens estão presentes no projetos mais magníficos das Igrejas Católicas.  Cabe ao arquiteto contemporâneo refletir até que ponto a eliminação de símbolos criará uma arquitetura católica pioneira.

Notas:

*  A arquitetura eclesiástica católica deveria ser a materialização das doutrinas da fé. O arquiteto Michael S. Rose, em seus livros, exemplifica isso com a catedral Notre Dame de Paris. A arquitetura desta Igreja representa o Cristianismo na sua totalidade: através das nuances luminosas obtidas no conflito estrutura X aberturas, o peregrino percebe a luta entre o bem e o mal, entre o sagrado e o profano.



1 – ROSE, Michael S. Ugly as Sin — Why they changed our churches from sacred places to meeting spaces and how we can change them back again, Sophia Institute Press, Manchester, NH, 2001, P.84
2 - Para os construtores de igrejas, as palavras de Cristo são normativas. E o Divino Mestre ensinou no Sermão das Bem-aventuranças: “Não pode se esconder uma cidade que está situada sobre um monte. Nem os que acendem uma luzerna a metem debaixo do alqueire, mas põem-na sobre o candeeiro, a fim de que ela dê luz a todos que estão na casa” (Mt 5, 14-15). Por isso, a igreja não pode ficar dissimulada ou escondida.

3 - No centro da fachada da Igreja Notre Dame de Paris encontra-se a rosácea, que tem como significado a Santíssima Virgem. A rosa é emblema de Nossa Senhora, e seu uso nas construções religiosas da  Idade Média, se dá para antecipar, já na fachada, a qual Santa aquela catedral era dedicada. A rosácea é denominada “olho de Deus”, e representa também a perfeição, o equilíbrio e a harmonia da alma purificada, que se prepara para ingressar no Reino Celeste eternamente.
4 - São Carlos Borromeo recomendou que os confessionários sejam situados nas partes laterais da igreja; que o penitente nele esteja ajoelhado, separado do confessor por uma tela, numa posição onde possa ver o presbitério.
 
5 - O Abade Suger, na Idade Média, chamou-os "janelas radiantes que iluminam as mentes dos homens de maneira que, por meio da luz, possam chegar à percepção da luz divina”. Ele dizia serem “sermões que tocavam o coração, através dos olhos, ao invés de entrar pelo ouvido” 1 – ROSE, Michael S. Ugly as Sin — Why they changed our churches from sacred places to meeting spaces and how we can change them back again, Sophia Institute Press, Manchester, NH, 001, P77

6 – “O artista deve pintar com a luz de Deus”. Rose, Michael SUgly as Sin — Why they changed our churches from sacred places to meeting spaces and how we can change them back again, Sophia Institute Press, Manchester, NH, 001, P80.

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