“A Regaleira assume um caráter único no panorama mundial dos
jardins,
enunciando uma paisagem épica na recriação do Paraíso perdido – que
o saber do seu proprietário sobre a
biodiversidade, em particular a do
Novo Mundo, permite evocar – inscrevendo-se
de forma singular na
tradição dos grandes jardins europeus, espaços de sagração
da Natureza
onde se revisita o pensamento clássico de Platão e de Aristóteles e
onde ecoam, desde o Renascimento, as grandes intuições do hermetismo.”
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Vista do Palácio a partir da ponte de entrada. Foto: acervo particular |
Pouco difundida nos guias turísticos, a Quinta da Regaleira
na cidade de Sintra se insere no roteiro indispensável para quem visita a
cidade de Lisboa em Portugal. Do ponto de vista arquitetônico, a casa onde
viveu Antonio Augusto de Carvalho (1848-1920) já valeria a visita por se tratar
de um exemplar com estética belíssima contudo, aos iniciados ou estudiosos de
mística ou religiosidade, a visita se torna inesquecível. Isso porque, embora
possua uma capela, não se trata de uma construção cujo programa de necessidades
seja especificamente para rituais, mas uma residência onde o interesse místico
se tornou uma obrigatoriedade no projeto arquitetônico.
Vista dos jardins tendo em destaque a torre sineira da capela. Foto: acervo particular |
Detalhe das cordas decorando as janelas. |
Detalhe dos animais míticos e folhagens em meio às cordas. |
Detalhe da decoração interna do Palácio. |
Até pela forma como foi implantada no terreno, o primeiro
ponto a chamar a atenção de quem adentra a Quinta é o palácio. O projeto
arquitetônico seguiu os cânones da geometria sagrada, estando estes aspectos
traduzidos nas proporções, composição ou mesmo orientação rigorosa dos espaços.
Contudo, nos salta aos olhos a mensagem simbólica utilizada na decoração da
fachada composta de cordas – símbolo importante em várias teorias místicas como
a da maçonaria –, gárgulas – figuras animalescas das construções góticas –,
animais alados como morcegos, lagartos ou águias, pináculos decorados com
dragões ou mesmo deuses pagãos inseridos em meio a folhagens como os deuses
romanos camuflados em meio a fachada à maneira dos celtas. O interior não é
diferente, porém a decoração segue de acordo com o uso de cada sala,
intensificando ainda mais o caráter simbólico da atividade e do símbolo
referido.
Praça de Baco. |
Detalhe de ânfora com Baco e Baphomet. |
Banco decorado em meio ao jardim. |
Os jardins podem ser admirados apenas pela beleza estética,
ou degustados de maneira mais rica pelos iniciados ou conhecedores de alquimia
e mística. A orientação de diversos “templos” pode parecer confusa mas segue um
rigoroso critério de implantação para que a posição geográfica de cada parada
reforce ainda mais o caráter simbólico da edificação, caso da capela ou mesmo
no poço iniciático, localizado na cota mais alta da Quinta. Os caminhos são
todos adornados com deuses romanos, fontes com decoração temática, portais ou
mirantes com bancos ricamente esculpidos, praças com posicionamento de bancos
evidenciando a lenda ou o mito. Mesmo sendo o caminhar algo muito agradável,
dois momentos são os mais fortes no paisagismo da Regaleira: a capela e o poço
iniciático.
Interior da capela com destaque para o forro com geometrica gótica. |
Forro do coro com decoração em cordas e símbolos maçônicos. |
Vista da cripta da capela com piso xadrez preto e branco. |
A capela tem o altar dedicado à Coroação da Virgem Maria,
preservando também o tema mariano já na fachada tanto na torre sineira quanto
no pórtico de entrada. Contudo salta aos olhos outros elementos que são
mesclados a estes, alguns já visíveis na fachada do palácio e outros referentes
à Ordem do Templo ou Ordem de Cristo, movimentos importantes na sociedade
portuguesa no período dos Descobrimentos. Destes símbolos é notória a cruz
grega tanto no alto da porta de entrada quanto no piso da capela, marca
presente nas ilustrações de navegadores como Vasco da Gama. Embora a decoração
exterior seja muito interessante, no interior duas surpresas saltam aos olhos:
a primeira a figura de um triangulo com um olho humano no centro localizada no
teto do coro, e a segunda o piso em xadrez preto e branco na cripta da capela,
ambos muito comuns na simbologia maçônica. Embora não haja nenhuma referencia a
estes dois temas, é de se suspeitar a participação do proprietário e do
arquiteto nesta ordem haja visto que eram pessoas bastante influentes na
sociedade da época. Além disso, pesquisas recentes elaboradas pela equipe
responsável pela Quinta da Regaleira descobriu outros símbolos maçônicos em
livros que faziam parte do acervo da biblioteca de Antonio Augusto de Carvalho.
Vista superior do poço, com piso ao fundo imitando rosa dos ventos. |
Vista do alto de dentro do poço. |
Detalhe dos nichos e arcos da escadaria. |
A outra edificação que desperta curiosidade é o “Axis
Mundi”, ou o poço iniciático. Localizado no ponto mais alto dos jardins, o poço
foi construído como uma torre invertida para unir o céu e a terra. O poço
dispõe de quatro acessos em níveis distintos, cada um direcionado a um ponto
cardeal e conectado com outras edificações localizadas em pontos extremos do
jardim. Os degraus somam 139 pisos, cuja soma 13 alude a números cabalísticos,
e os 22 nichos existentes aos arcanos maiores do taro. O fundo tem a decoração
da “rosa dos ventos” demarcando os pontos cardeais. A descida no poço resgata
diversos textos místicos, estando por vezes ligada à Divina Comedia de Dante –
por causa dos 10 patamares – ou mesmo outros livros que citam a viagem
iniciática com o objetivo do conhecimento do homem e da Natureza.
Vista do complexo Quinta da Regaleira. Foto: acervo particular. |
Aos acéticos, conhecer a Quinta da Regaleira vale pela
beleza arquitetônica e paisagística; aos iniciados, caminhar por estas
edificações resgata o sentido dos estudos místicos e reforça a certeza de que
quando a Arte, a Natureza e o Símbolo estão juntos, o resultado é muito próximo
da perfeição do Cosmos!
10h00 as 17h00. O email para contato é geral@cultursintra.pt.
Notas:
1. Do livro Quinta da Regaleira, coleção Arte, Natureza e Simbolo, Volume 1.
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