"Se eu, ilustríssimo Cavaleiro, manejasse o arado, apascentasse um rebanho,
cultivasse uma horta, remendasse um fato, ninguém faria caso de mim,
raros me observariam, poucos me censurariam, e facilmente poderia agradar a todos.
Mas, por eu ser delineador do campo da natureza, atento ao alimento da alma,
ansioso da cultura do espírito e estudioso da atividade do intelecto,
eis que me ameaça quem se sente visado, me assalta quem se vê observado,
me morde quem é atingido, me devora quem se sente descoberto.
E não é só um, não são poucos, são muitos, são quase todos. (...)"
Giordano Bruno, epístola preambular do livro "Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos" 1.
Por todo o Renascimento permeou-se a retórica e a poética da luz e sombra. Muitos textos foram publicados tendo como pano de fundo o Deus Vivo e suas comparações com o astro-rei Sol ou mesmo outras comparações com tentativas humanistas. Contudo, uma das teorias mais edificantes foi criada por Giordano Bruno, em seu primeiro texto, “De umbris idearum” de 1572, no qual se apropriou do tema luz e sombras para dar conta dos limites do conhecimento. Evocando alguns versículos do antigo cântico do Salomão, o filósofo deslocou o horizonte espiritual em função da filosofia nolana , e por intermédio de comparações entre o duelo do Sol e das trevas, alto e baixo, espírito e matéria, Bruno sugeriu de forma filosófica o confronto entre o bem e o mal, provocando uma discussão além dos muros da igreja católica romana.
Giordano Bruno era muito conhecido pela sua memória, o que lhe concedeu, na época, a fama de mago, comparando-se algumas vezes, para os intelectuais contemporâneos, ao próprio Jesus cristo histórico. 2 Na verdade, essa facilidade de memória tinha fundamentos científicos que foram apresentados a partir de um método que “permitia gravar imagens arquetípicas básicas, tendo como lugar-sistema a própria ordem cósmica” 3 . E nesta obra, o filósofo revelou algumas destas imagens arquetípicas, às quais reproduziam os primeiros dos sete planetas considerados pelo autor 4:
Estudos de Giordano Bruno. |
Primeira imagem de Saturno: um homem com cabeça de veado, sobre um dragão, e tendo, na mão direita, uma coruja, que come uma serpente.
Primeira imagem de Júpiter: um homem nobre em uma carruagem conduzida por um dragão, com uma seta na sua mão direita, espetando a cabeça do animal.
Primeira imagem de Marte: um homem de aparência feroz, com uma armadura, montado em um leão.
Primeira imagem do Sol 5: uma mulher atraente e charmosa, com uma coroa magnífica, em uma carruagem dourada conduzida por quatro cavalos.
Primeira imagem de Vénus: uma mulher desnudada, com longos cabelos até aos tornozelos.
Primeira imagem de Mercúrio: uma jovem mulher com um cetro, no qual duas serpentes se entrelaçam e se contemplam face a face.
Primeira imagem da Lua: uma mulher com um corno-crescente, conduzindo um golfinho, e com um camaleão à sua direita e um lírio à sua esquerda.
Estas imagens mágicas eram inseridas em um sistema de rodas da memória, que correspondia a outras rodas, onde eram lembrados todos os conteúdos físicos do mundo terrestre. “O possuidor desse sistema elevava-se acima do tempo e refletia, na sua inteligência, todo o universo da natureza e do homem (…) Por meio da gravação, na memória, das imagens celestes – as imagens arquetípicas dos céus, que são as sombras próximas às ideias da divina mensagem –, Bruno esperava tornar-se o Aion, que contém em si todas as forças divinas. (…) O sistema da memória de Bruno representa, de fato, a memória de um homem que conhece
Acredito que ao ler a descrição das imagens planetárias criadas por Giordano Bruno, certamente várias outras imagens ligadas á simbologia tenham vindo à tona, provando a eficácia do sistema criado e seu poder transcendente, vivo até os dias de hoje. A importância deste filósofo no estudo de geometria sagrada é enorme, mas como este blog se trata de arquitetura, concluo o estudo da filosofia nolana neste artigo, descrevendo abaixo alguns importantes textos que poderão ser pesquisados para o aprofundamento deste tema:
- De umbris idearum (1582)
- Cantus Circaeus (1582)
- De compendiosa architectura (1582)
- Candelaio (1582)
- Ars reminiscendi (1583)
- Explicatio triginta sigillorum (1583)
- Sigillus sigillorum (1583)
- La Cena de le Ceneri (1584)
- De la causa, principio, et Uno (1584)
- De l’infinito universo et Mondi (1584)
- Spaccio de la Bestia Trionfante (1584)
- Cabala del cavallo Pegaseo - Asino Cillenico (1585)
- De gl’ heroici furori (1585)
- Figuratio Aristotelici Physici auditus (1585)
- Dialogi duo de Fabricii Mordentis Salernitani (1586)
- Idiota triumphans (1586)
- De somni interpretatione (1586)
- Centum et viginti articuli de natura et mundo adversus peripateticos (1586)
- Delampade combinatoria Lulliana (1587)
- De progressu et lampade venatoria logicorum (1587)
- Oratio valedictoria (1588)
- Camoeracensis Acrotismus (1588)
- De specierum scrutinio (1588)
- Articuli centum et sexaginta adversus huius tempestatismathematicos atque Philosophos (1588)
- Oratio consolatoria (1589)
- De triplici minimo et mensura (1591)
- De monade numero et figura (1591)
- De innumerabilibus, immenso, et infigurabili (1591)
- De imaginum, signorum & idearum compositione (1591)
- Summa terminorum metaphisicorum (1595)
- Animadversiones circa lampadem lullianam (1586)
- Lampas triginta statuarum (1586)
- De vinculis in genere (1591)
- De umbris idearum (1582)
- Cantus Circaeus (1582)
- De compendiosa architectura (1582)
- Candelaio (1582)
- Ars reminiscendi (1583)
- Explicatio triginta sigillorum (1583)
- Sigillus sigillorum (1583)
- La Cena de le Ceneri (1584)
- De la causa, principio, et Uno (1584)
- De l’infinito universo et Mondi (1584)
- Spaccio de la Bestia Trionfante (1584)
- Cabala del cavallo Pegaseo - Asino Cillenico (1585)
- De gl’ heroici furori (1585)
- Figuratio Aristotelici Physici auditus (1585)
- Dialogi duo de Fabricii Mordentis Salernitani (1586)
- Idiota triumphans (1586)
- De somni interpretatione (1586)
- Centum et viginti articuli de natura et mundo adversus peripateticos (1586)
- Delampade combinatoria Lulliana (1587)
- De progressu et lampade venatoria logicorum (1587)
- Oratio valedictoria (1588)
- Camoeracensis Acrotismus (1588)
- De specierum scrutinio (1588)
- Articuli centum et sexaginta adversus huius tempestatismathematicos atque Philosophos (1588)
- Oratio consolatoria (1589)
- De triplici minimo et mensura (1591)
- De monade numero et figura (1591)
- De innumerabilibus, immenso, et infigurabili (1591)
- De imaginum, signorum & idearum compositione (1591)
- Summa terminorum metaphisicorum (1595)
- Animadversiones circa lampadem lullianam (1586)
- Lampas triginta statuarum (1586)
- De vinculis in genere (1591)
Notas:
1. BRUNO, Giordano. Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos.Fundação Caloust Gulbenkian. Lisboa, Portugal, 1978.
2. A Figura de Jesus Cristo - Tal como os platônicos de Alexandria e os cabalistas da época, Giordano considerava que Jesus era um mago no sentido atribuído a essa palavra por Porfírio, Cícero e Fílon, ou seja, como sendo um dos investigadores mais assombrosos dos mistérios ocultos da Natureza. De fato, na sua concepção, os magos eram homens santos que, isolando-se de qualquer outra preocupação terrestre, contemplaram as virtudes divinas e compreenderam mais claramente a natureza divina dos deuses e dos espíritos; e, então, iniciaram outros nos mesmos mistérios, que consistem na conservação de um intercâmbio ininterrupto com os seres e realidades invisíveis durante a vida. artigo de NEVES, Ana Isabel. Licenciada em Sociologia. http://biosofia.net/2005/09/21/giordano-brunoo-grande-filosofo-do-renascimento/
3. YATES, Frances. Giordano Bruno e a Tradição Hermética, Cultrix, São Paulo, 1964.
4. Nesta obra, Giordano refere sete imagens para cada um dos sete planetas principais.
5. O Sol surgue aqui, claramente, em substituição da Terra, como se vê pela ordem em que os sete planetas estão colocados. A Lua aparece a velar um planeta oculto.
6. YATES, Frances, Giordano Bruno e a Tradição Hermética, Cultrix, São Paulo, 1964.
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