Ainda que entendamos a arquitetura como ofício de um artista, ele tem a liberdade da composição estética, mas deve seguir um programa de necessidades, idealizado pelo cliente. Diferente dos complexos programas das igrejas antigas, nos modernos templos sagrados católicos a liberdade impera. Não há mais lugar sagrado, o presbitério não se distingue mais da nave, nem precisamos mais de transepto: a Igreja se reduziu a mais um local de reunião,e cabe ao arquiteto concebê-lo da forma mais conveniente.
Quando existem exigências, elas fogem totalmente do que era o catolicismo originalmente. Nos anos 1980, por exemplo, o movimento progressista exaltou o batismo de imersão, exigindo a existência de uma banheira próxima ao altar. Na verdade, a pia batismal “desde o Vaticano II, tinha girado um pouco por toda a igreja.” 1 De início, os litúrgicos julgavam fundamental que ela ficasse bem visível, mas naquele momento, o consenso era que a visibilidade era o menos importante.
Nos anos 1990, tornou-se moda incluir obras de arte temporárias de “símbolos universalmente reconhecíveis”, sejam eles pagãos, gnósticos ou políticos. Para a nova composição visual, a ambientação e o mobiliário também tiveram que ser revisitados. As cadeiras agora circundariam o altar. Não haveria genuflexórios, e as poltronas – extremamente confortáveis – seriam convites a posturas mais relaxadas como cruzada de pernas, pois posturas informais calhavam bem com a atmosfera criada pela nova decoração. Como não haveria um ponto monárquico – já que o altar poderia estar mais baixo e o sacerdote, quando sentado desapareceria – o silencio sacramental não tinha porque existir também: no lugar dele, burburinho e bate-papo entre os fiéis. Uns procuram amigos e parentes com o olhar, e trocam “tchauzinhos”. Se alguém estava lendo, só se ficaria sabendo por causa das caixas de som.
No altar, nenhuma referência ao sacrifício, assemelhando-se a uma mesa de jantar. Não há iconografia sacrifical, e poucas vezes um Crucifixo destacado — as igrejas modernas evitam os símbolos católicos como o Crucifixo ou a cruz latina, e quando elas existem estarão como um signo a ser decifrado. Na hora da comunhão, muitos leigos distribuindo as hóstias, se colocando nos mais diversos lugares do salão. Ainda sobre o presbitério, nas últimas décadas o Santíssimo Sacramento foi levado para uma sala à parte. O tabernáculo do novo estilo pode assemelhar-se a uma gaiola de passarinhos ou até a um totem. Outros são cilíndricos ou cônicos, conhecidos como “torres do sacramento”. O ambiente em torno nada tem de sacral, acolhedor, nobre ou elevado, e não convida à adoração.
Seguindo esta tendência, no ano 2000, três projetos visaram marcar a arquitetura católica do novo milênio. O primeiro foi a Igreja do Jubileu 2000, em Roma, projeto do arquiteto Richard Meier. Reúne uma “série de paredes de concreto retilíneas e curvilíneas recheadas com vidro, todas num plano horizontal, como se o prédio pudesse ser arrancado qualquer dia e transportado a alguma outra superfície” 2. Embora seu projeto seja fantástico do ponto de vista estrutural, para os críticos está longe da tradição católica, se assemelhando a Opera de Sydney ou uma sala protestante.
Igreja do Jubileu, Roma. |
O segundo projeto foi o da Catedral de Nossa Senhora dos Anjos, em Los Angeles, EUA. Teve-se em vista uma catedral que “com o seu aspecto grosseiramente volumoso, contrastes agudos, estrutura assimétrica desprovida de ângulos retos, rompesse deliberadamente com a continuidade histórica de dois milênios de arquitetura católica para as igrejas. Mas paga tributo aos últimos cinqüenta anos de estruturas para escritório, banais e sem inspiração, que têm poluído a paisagem do centro de Los Angeles e da maioria das outras cidades americanas” . 3 O interior tem a monumentalidade das construções tradicionais católicas, mas a complexidade de ângulos tira a atenção do fiel, impossibilitando a reflexão ou espiritualidade que o projeto de uma Igreja deve despertar.
Catedral Nossa Senhora dos Anjos, Los Angeles, E.U.A. |
A terceira tentativa projetual foi a Catedral Cristo da Luz, em Oakland, Califórnia. O projeto vencedor do escritório Skidmore, Owings & Meril L.P., propôs “uma concha gigante semi-aberta, uma caixa torácica ou pança de uma baleia. Foi a primeira catedral que iria ter um teto retrátil. [...] "The San Francisco Chronicle" descreveu a proposta como ‘uma estrutura de costelas de aço pintado, vidro e concreto, que parece tão futurista como os restos de um esqueleto de uma criatura pré-histórica corcunda’” 4. O edifício não passa despercebido, e tem a força plástica das maiores Igrejas Católica além de um interior muito harmonioso, contudo a simbologia religiosa não fica evidente nem no interior, nem no exterior da edificação.
Igreja Crista da Luz, Califórnia. E.U.A. |
Notas:
105.
1. Conforme escreveu a consultora de desenho litúrgico Christine Reinhard. 1. ROSE, Michael S., Ugly as Sin — Why they changed our churches from sacred places to meeting spaces and how we can change them back again, Sophia Institute Press, Manchester, NH, 2001. P.
1. Conforme escreveu a consultora de desenho litúrgico Christine Reinhard. 1. ROSE, Michael S., Ugly as Sin — Why they changed our churches from sacred places to meeting spaces and how we can change them back again, Sophia Institute Press, Manchester, NH, 2001. P.
2. ROSE, Michael S. Tiers of Glory: the Organic Development of Catholic Church Architecture Through the Ages, Mesa Folio Editions, 2004. P.104.
3. ROSE, Michael S. Tiers of Glory: the Organic Development of Catholic Church Architecture Through the Ages, Mesa Folio Editions, 2004.
4. ROSE, Michael S. Tiers of Glory: the Organic Development of Catholic Church Architecture Through the Ages, Mesa Folio Editions, 2004. P.106 e passim.
Oi Fabricio
ResponderExcluirFiquei feliz em encontrar o seu blog pois mantenho um blog no mesmo tema, "arquitetura do sagrado" no caso.
Escrevo para dizer que talvez tenha ocorrido um erro neste post, pois a Igreja de Cristo Luz é de Skidmore Owings and Marrill e o texto me parece afirmar que é do Calatrava.
Inclusive já falei desta Igreja no blog e me chamou a atenção e fiquei feliz pela nossa divergência de opinião sobre este caso específico, pois gosto de encontrar olhares críticos.
Matenhamos contato, Abraço
Olá Eduardo. Agradeço pela colaboração na correção do erro de digitação na publicação do autor do projeto. Estive vendo seu blog e também achei super interessante o seu ponto de vista sobre arquitetura sagrada. No entando,como voce viu, meu trabalho vai além das igrejas cristãs, tentando identificar os pontos em comum em todas elas. Será ótimo mantermos contato. Me mantenha informado sobre seus novos artigos. Abrazos.
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